agosto 07, 2014

Mirror mirror



Fazia tanto tempo que ela já não sabia quem era. Olhava-se no espelho e, nos detalhes de suas feições, buscava a alma que a havia deixado.

Era um fim de tarde, bem naquele momento em que o sol já desapareceu e as nuvens fazem parte do show visual dourado deixado pela estrela mor. Cansada de olhar-se, reparou nos detalhes cravados na moldura do espelho. Lembrou-se das aulas de história da arte e reconheceu traços característicos do rococó, que lhe chamou bastante atenção. Era um exagero bonito, não é? Um espetáculo visual recheado de drama.

E ela adorava drama. Adorava. Em sua forma pretérita mesmo. Ficou lá nas memórias que tinha de quando fazia um dramazinho para dar emoção à sua vida sem graça. Uma vida morna, nublada, na beiradinha, neutra. Espera! Disse vida? Er... Ela não gostava de acreditar que aquela era sua vida, afinal.
Então ela vivia através das telinhas e telonas. Nas séries de TV e filmes com protagonistas femininas, sempre corajosas. Tudo que ela nunca foi. É tão mais cômodo evitar, esconder e abstrair, não é? Parece até que anula a 3ª Lei de Newton. Isso cansa.

Olhou novamente para si. Notou que seus olhos estavam rodeados de olheiras marcando o cansaço pelas noites mal dormidas. Pensou em tudo o que poderia ser, mas não foi. Pensou que tudo aquilo era culpa de sua inércia. A raiva lhe subiu à cabeça. Seu rosto queimava em tons de rosa a vermelho vivo. Dentes cerrados, punhos fechados – com a ponta das unhas perfurando-lhe as palmas – e respiração ofegante.
Nem ela acreditava nos pedacinhos de vidro espelhado caídos no chão. Sua mão ensanguentada subiu ao rosto, escondendo-o do mundo. E ali ela chorou. Como se estivessem sufocando-a. O restinho de luz do ocaso já havia ido embora.


Respirou fundo. O rubor já havia cessado. As lágrimas secavam. Olhou para o chão e encontrou os pedaços afiados de sua alma. Tentou apanhar aquela bagunça, ainda que estivesse ferida. Recusava dar atenção aos seus machucados. Então recolheu aqueles pedacinhos. Poéticos, melancólicos. Seria aquela a primeira reação?


N.

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